terça-feira, abril 20, 2010

Você é virgem?!

Fui ao ginecologista.Exame de rotina anual. Aquele chato, cujo procedimento principal é o médico colocar uma coisa pontuda dentro da gente e tirar um pedacinho de célula.Além  disso, como a esperança é imortal, fui também, pela milhonésima vez, em busca de alguma solução para a sempre companheira tensão pré- menstrual.
Fiquei duas horas esperando o doutor.Quando ele chegou, iniciou o atendimento mais rápido da história da medicina: não ficava nem dois minutos com cada paciente. E eu tinha coisas pra contar, coisas tristes, tais como os monstros em que se transformam os pequenos problemas, nesses períodos mensais difíceis. E queria falar dos pesadelos, que me acordam no meio da noite, aos gritos desesperados, e comigo, toda a vizinhança. Queria falar também do medo absurdo do trânsito, dos amassados no carro, devido as crises de nervo injustificadas e repentinas durante as manobras, nessas épocas de revertério hormonal.E da falta de cor de todas as coisas.E da vontade, também injustificada, de me atirar na frente dos ônibus em movimento. Queria falar do meu coração, que palpita mais do que pode, e do sufoco que sinto e das explosoes de choro, e da vontade de virar eremita, e das brigas de novela mexicana que provoco.E de como me sinto um verme. E de como eu perco todo o valor que tenho e me sinto a pessoa mais triste do mundo, a mais sozinha, a mais desafortunada...
Mas dois minutos não seriam suficientes.Então ele me mandou entrar, me mandou tirar a roupa, me mandou deitar na maca, me mandou abrir as pernas e me mostrou minha vagina, em zoom 300%, numa tela de computador.Lá estava ela, vermelha, obscena, e gigantesca.Então pensei " aí está  a culpada dos meus crimes"... Vermelha, quente e bela. Vagina é o máximo.
Depois do choque do zoom 300% ele começou a me encher de perguntas. Vou reproduzir o diálogo, para dar um tom mais realista e dinâmico:

_O que te traz aqui?
_Rotina.E quero um remedinho pra TPM.
_TPM ou cólicas?
_ Eu sei a diferença.TPM mesmo, doutor.
_Já abortou?
_ Não.
_ Já engravidou?
_ Não.
_ Utiliza algum método anticoncepcional?
_ Não.
_ Tem vida sexual ativa?
_ Sim.
_ E como você faz pra não engravidar?
_ Não faço nada.
_ Por quê?
_ Porque o meu tipo de relação sexual não engravida.
_ E que tipo de relação seria esse?
_ Eu sou lésbica.

Até então o doutor tinha feito todas essas perguntas idiotas sem olhar para mim. Ele estava apaixonado pelo prontuário. Diante da minha resposta natural à sua pergunta imbecil, ele me olhou. E foi com perplexidade que me perguntou:
_ Então você é virgem?!
Eu ri. Ou melhor, caí na gargalhada. Saí daquela posição humilhante e me sentei na maca.
_ Doutor, se o que você chama de virgindade é uma mulher nunca ter sido penetrada por um pênis,pode ficar traquilo, pois não me enquadro  nessa categoria.Pode colocar, numa boa, essa coisa pontuda em mim,porque não vai arrebentar o meu hímen.Mas acho que seu conceito de virgindade é bem pobrezinho, né não?
Ele não aprendeu a lição. Continou fazendo perguntas burras:
_ Peraí, não tô entendendo.. Você namora?
_ Namoro a mesma garota há 4 anos.
_ e quando você descobriu que não queria mais homens....
_ Aff,vai estudar psicanálise!
E, por fim, depois daquela coisa pontuda me machucando, e da overdose de machismo e burrice, ainda me receitou um medicamento para TPM que não existia mais no mercado.

Um comentário:

Gelly A. disse...

Divertidíssima narrativa! Os olhares do mundo são sempre surpreendentes...