quarta-feira, março 19, 2014

Hospital

No hospital ( não, não era na sala de cirurgia e eu não via nada por vidraça nenhuma) fazia o calor que costuma fazer às duas da tarde em qualquer verão tropical.
Era um ambulatório de anticoagulação. Isso significa que grande parte das pessoas que estavam lá já tinham sofrido trombose, derrame ou infarto. E isso, por sua vez , significa que o panorama era composto ou por pessoas muito velhas, ou por pessoas amputadas, ou por pessoas tortas. Ou por pessoas muito velhas, amputadas e tortas.
Panorama triste de ver.
Eu sei que já devia ter me acostumado.
Quando pai morria foi assim: uns bons anos percorrendo esses corredores frios e dolorosamente brancos, cheios de gente torta, mutilada e secando... E secando.
E agora aqui estou de novo. Para que a mãe não entre em processo de morrer. Periodicamente a gente vem aqui, para impedir que ela fique torta, ou amputada. Velha ela já está. Até eu, nesses anos escorridos. Tem jeito não.
Mas então: estou sentada num banco de pedra, entre duas velhas. Aguardo um resultado. Uma das senhoras não tem um pé, a outra está retorcida numa cadeira de rodas.
Sinto cheiro de decrepitude.
Minha cabeça empreende um filosofar neblinoso.
Um senhor encurvado olha com melancolia ao nosso redor. Diz pra outro: "Ser humano não vale nada"
Saio de onde estou e me sento entre eles.
A conversa me interessa.

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