sexta-feira, maio 29, 2015

Catástrofe

Dez mil trilhões, de trilhões, de trilhões, de trilhões, de trilhões, de trilhões, de trilhões, de trilhões de anos será o tempo total de existência do universo. Um pouco antes da grande catástrofe, por aqui só haverá aridez e desolação: não mais o mar. Não mais as sombras das copas das árvores. Nunca mais esse céu.
Somente um sol expandido, fumegante, faminto e a paisagem em brasa. Estrelas haverá, mas serão estranhos astros congelados.
De nós nem sequer um vestígio fossilizado.
No entanto, atravesso os ventos e as ruas movimentadas nessa manhã iluminada de outono.Plantas germinam, há vozes e cheiros em toda parte.
Ainda há céu e ele é dolorosamente azul e desconcertante de beleza.Como alguns sonhos que ainda ouso. Nos quais há uma promessa e um grito sem resposta.Nos quais há o amor atrás de uma porta que nunca abre. Nos quais chove como apenas em sonho. Chove como apenas num poema do Pessoa.
Chove, eu amo, há uma porta fechada.
Desperto, não chove já e o céu é vasto de luz nesta manhã em que mora minha saudade.
De nunca ter sido o que nunca saberei.
Quando a atmosfera solar tragar de vez a órbita terrestre eu já terei me dissolvido, há tempos, na umidade do oco.Minha carne, meus olhos, meus cabelos. O calor já terá derretido todas as minhas vértebras e dentes e outras partes endurecidas de mim.
Mas por enquanto ainda é milagre.
E atravesso a rua e a luz da manhã enchendo os pulmões do ar gelado que me alimenta.
Vem junto um cheiro de flores maceradas, de café, incenso e merda.
Por enquanto ainda é milagre.

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