Mas é preciso dizer que a saudade apertou de novo, depois que escrevi sobre ela. E e reiniciei minha busca.
Dessa vez não foi difícil. Encontrei por um preço razoável num site, uma espécie de Estante Virtual americana, que só agora faz entregas também para o Brasil. Comprei de um livreiro do interior da França.
Meu coração tremeu estranhamente quando encontrei meu exemplar de Le vent des rues na caixinha de correio.
Foi como reencontrar, na existência atual, alguém por quem eu houvesse morrido de amor em outra vida.
Traduzir Anne-Marie-de Backer tem sido algo sobrenatural. Desfaleço a cada verso.
Fazer com que sua poesia encontre minha língua materna é conversar com os sonhos dela, tão parecidos com os meus...
Compartilho com meus escassos leitores três de seus poemas, os quais traduzi recentemente.
Espero que gostem.
O vento das ruas
O vento de inverno, que já me conhecia,
Antes mesmo que você me conhecesse,
Nesta noite tocou minhas mãos nuas
Com um beijo triste e sem promessas.
Antes mesmo que você me conhecesse,
Nesta noite tocou minhas mãos nuas
Com um beijo triste e sem promessas.
Sob o plátano de folhas mortas,
Neste impasse em que me encontro,
Ele fechou todas as portas,
Batendo sobre o azul das viagens
Neste impasse em que me encontro,
Ele fechou todas as portas,
Batendo sobre o azul das viagens
E arremessando em suas casas frias
Bancos e cadeiras de avós
Ele me obrigou a ficar sozinho
Entre um velho poço e um muro inflexível
Bancos e cadeiras de avós
Ele me obrigou a ficar sozinho
Entre um velho poço e um muro inflexível
Meu bem, a cidade é grande,
Os lugares são mornos e avermelhados,
Sem este vento forte que me observa
Pode ser que eu me renda
Os lugares são mornos e avermelhados,
Sem este vento forte que me observa
Pode ser que eu me renda
Ele dança na beira dos telhados e brinca
Com a sombra das chaminés
Enquanto acaricia a melancolia de meu rosto
E dos lábios que outrora você havia dado para mim.
Com a sombra das chaminés
Enquanto acaricia a melancolia de meu rosto
E dos lábios que outrora você havia dado para mim.
E apodera-se, sem que alguém venha em meu socorro,
Da sombra do meu corpo, por ele arrebatado.
Que eu resista a ele ou me curve sob seu peso
Quando ele me espreitar através das portas
Da sombra do meu corpo, por ele arrebatado.
Que eu resista a ele ou me curve sob seu peso
Quando ele me espreitar através das portas
Assim, meus belos desejos de espaço,
_pássaros sobre neves glaciais
Não persistirão neste impasse
Em que o vento de inverno me atirou
_pássaros sobre neves glaciais
Não persistirão neste impasse
Em que o vento de inverno me atirou
Os rostos e seus mistérios,
Os longos prados, os caminhos em linha reta,
Eu os contemplei sobre a terra,
Das poças d’água que brilham
Os longos prados, os caminhos em linha reta,
Eu os contemplei sobre a terra,
Das poças d’água que brilham
E minha juventude desapareceu
Sob as margaridas floridas.
Como a rua estava escura
Quando o vento de inverno me traiu!
Anne- Marie de BackerSob as margaridas floridas.
Como a rua estava escura
Quando o vento de inverno me traiu!
Melodia
Toda a felicidade que seu rosto havia dado para
mim
Eu a cantei, eu a chorei, como um mártir.
Nosso futuro não passa de um parque deserto,
Mas a sombra é azul e, dentro da noite, flores respiram.
Eu a cantei, eu a chorei, como um mártir.
Nosso futuro não passa de um parque deserto,
Mas a sombra é azul e, dentro da noite, flores respiram.
Há dias e estações em que é preciso sonhar.
Tu, que vais embora deslizando nas torrenciais cabeleiras das águas, sobreviverás?
Pássaros negros giram ao redor de teu castelo
E a Sereia fechou os olhos sobre tuas margens arenosas
Tu, que vais embora deslizando nas torrenciais cabeleiras das águas, sobreviverás?
Pássaros negros giram ao redor de teu castelo
E a Sereia fechou os olhos sobre tuas margens arenosas
Há dias e estações em que é preciso viver.
Alguém me atou e eu segui as fendas desenhadas no mar.
Tu, que vais embora, pálido e cativo, sobreviverás
Quando o vento te agarrar em seus turbilhões?
Alguém me atou e eu segui as fendas desenhadas no mar.
Tu, que vais embora, pálido e cativo, sobreviverás
Quando o vento te agarrar em seus turbilhões?
Toda a felicidade que seu rosto havia dado para
mim
Eu a expiei como uma culpa sem perdão
Há dias e estações que nos conduzem
Em direção a nossos remorsos, a nossos jardins abandonados.
Anne-Marie- de- BackerEu a expiei como uma culpa sem perdão
Há dias e estações que nos conduzem
Em direção a nossos remorsos, a nossos jardins abandonados.
Ovelha perdida
Depois que se tinha recolhido
os frutos da terra ao celeiro;
E trazido de volta todos os rebanhos antes da tempestade;
Eu caminhei só e perdida através da aldeia;
Entre os abetos azuis anjos maus cantarolavam.
E trazido de volta todos os rebanhos antes da tempestade;
Eu caminhei só e perdida através da aldeia;
Entre os abetos azuis anjos maus cantarolavam.
Dedos cautelosos apagam as claridades
das janelas
Dedos ternos desprendem cabeleiras escuras;
Crianças terríveis rezam na sombra:
Dedos ternos desprendem cabeleiras escuras;
Crianças terríveis rezam na sombra:
Tudo foi preservado do que
devia ser.
Mas eu não conhecia o Refúgio
ou o estábulo,
Nem o ombro tranquilo onde a
face respousa,
E seus beijos tremem ainda
sobre minhas mãos fechadas.
Eu aceitei os perigos da
noite medonha,
Que germinou das florestas
sem astros e sem rosas.
Depois que se tinha recolhido
os frutos da terra e as bestas,
A novilha e a ovelha perdida
ainda eram procuradas,
A aldeia dormia, calma, na
vastidão,
E eu abri lentamente os
braços para a tempestade.
Anne- Marie- de -Backer
3 comentários:
gostei muito do "Melodia"!
Achei todos os poemas vívidos e repletos de uma fantasia em que magia e cotidiano se mesclam de uma forma bastante onírica. Isso porque também li "Migrações"...
Samuca: "Migrações" ainda vai entrar aqui, numa outra postagem. Estou só esperando ter tempo para traduzir mais, para que ele não se sinta sozinho na página, como a poeta que o escreveu...
Pretendo traduzir todo o "Le vent des rues". E não vejo a hora de o outro aparecer na caixinha de correio....
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