Fui a casa da mãe. O irmão me
recebeu aos berros:
- Sua magrela, seu carango
não era preto?
Dizendo isso, avançou feliz,
como uma criança de quem nunca roubaram o doce, para meu carro, que estava coberto de
poeira branca.
- É tudo culpa do inverno- Me
justifiquei. – Sereno a noite toda e essa secura durante o dia. A sujeira gruda
mesmo.
Eu falava para as paredes,
pois o irmão já estava desenhando nos vidros do automóvel. Além de pequenas figuras indecentes, escreveu em caixa alta uma frase obscena, dessas que já
são comuns em partidas de futebol: “ Vai tomar no cu fedaputa”.
Olhei para aquilo, achei
engraçado e não fiz força alguma para apagar.
Então os dizeres ficaram lá.
Por dois dias, creio. E esse tempo curto acabou sendo o suficiente para que eu
chegasse a algumas conclusões sobre como as pessoas se comportam diante de uma "palavra feia" desenhada num carro de mulher.
No primeiro dia, eu dirigia
pela avenida Vilarinho, não muito longe de casa. Um moço vinha logo atrás de
mim e percebi que ele buscava,com certa aflição,um espaço à minha esquerda.
Parecia ansioso por me dizer algo.
Conseguiu. Me disse:
- Moça !
( Acho engraçado ouvir as
pessoas me chamando de moça. Engraçado mesmo).
- Pois não? – Respondi de
cara muito ruim.
- Você viu o que escreveram
aí atrás, no seu vidro?
- Ah, no vidro.. vi sim...
Por quê?
Ele me olhou com uma cara
estranha. Provavelmente estava esperando que
eu perguntasse,ao mesmo tempo espantada e emputecida “ Vi não! O que
escreveram??????”
- Você viu?? Mas é um palavrão!
-Vi... Foi meu irmão que
escreveu. Achei engraçado e resolvi não apagar.
- Você também, hein? – Ele
disse, com um jeito meio brincalhão. ----Tem irmão pequeno, né?
- Não... meu irmão tem 33
anos.
Houve um breve silêncio.
O homem então concluiu sua
fala: - Nossa, quando eu vi o palavrão, fiz de tudo pra te avisar, porque vi
que você era mulher e não é legal, né? Mulher ficar andando por aí com uma palavra feia dessa escrita no vidro do
carro...
Aí fui eu que olhei para ele com uma cara estranha. Fiquei
pensando: “ Puxa, será que a mulher desse cara não tem cu?”
Apenas lhe disse: -Ah, moço,
tem galho não... O senhor se divertiu, não foi? É bom para alegrar o povo, não
é?
Naquele dia eu estava bem
humorada. Sorte dele.
Então a luz verde do semáforo se acendeu para todos nós que estávamos transitando por aquela via, naquela mão de direção, naquela manhã
de sol frio de inverno.
No dia seguinte, quase no
mesmo horário, subindo a Bahia, mais uma vez num sinal vermelho, um rapaz
todo musculoso,acompanhado por um exemplar fotocopiado de si mesmo,abriu o vidro do carro
dele, buzinou para mim, o que me fez também abrir o vidro do meu carro, pois pensei se tratar de coisa séria.
Ele gritou, de uma maneira meio
mal educada, meio ofendida, sei lá:
- Pega mal!
Olhei para ele com cara de
pessoa que escuta, mas não entende bem as palavras.
- Pega mal! -Ele repetiu,
gritando mais alto e fazendo uma expressão ainda mais feroz.
- Tá falando do que , menino?
–perguntei, nem me lembrando da obscenidade lá de trás.
- O que tá escrito, pega mal
pra uma mulher.
Então entendi. Era a tal da
palavra feia.
Me fingi de égua e perguntei o que estava escrito. Ele engrossou a voz para responder: - Vai tomar no cu fedaputa.
Eu ri. E disse pra ele, antes de arrancar:
- E por que você não foi até
agora?
6 comentários:
Muito bacana! O boyzinho deve estar com a cara amarrada até agora... rs...
ahuahauauha adoro quando desconstroem essas ideias feitas sobre o feminino.
kkkkkk morri de rir... Amei Amei!
Fantástico! Sua cara, Teodora, sua cara...
kakakakaka... Adorei esse gesto carinhoso de humor estranho, gosto das coisas estranas e comuns ao mesmo tempo do cotidiano...
Estava lembrando de um dos seus causos do trânsito ontem. Só vc mesmo Si, rs. Bjs
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