Aqui tão escuro. E veio um vento
ventilhando pedrinhas e gravetos, arremessando-os contra a janela de madeira.
Ainda é madrugada, falta muito pra amanhecer?
Agarrada à saia do vento veio a
chuva, chufininha, umedecendo. Se eu fosse raiz fincada em solo fértil brotaria
como brotou aquele pé-de-mamão num túmulo do cemitério de Justinópolis. Os
frutos nasciam aos pares, sempre. Pendiam como os tristes testículos de um deus.
Pendiam, como os peitos caídos da terceira idade.
Testículos e peitos que os
coveiros comiam.
Uma anedota
Dizem que um morto enterrado no
cemitério de Justinópolis foi condenado por algum ser inefável a continuar
enxergando para sempre. Por isso de seu túmulo feioso nasceu uma robusta jabuticabeira.
Cada Jabuticaba, pasmem, era um olho.
Ai que medo.
A rotina do cemitério era aquela
pasmaceira, nem um pouco interessante de
ver: abre buraco, fecha buraco; entra cortejo, padre rezando, dentadura
escapando.
Assim, assim.
Ai meu deus.
Numa manhã esquizofônica em que
bem-te-vis cantavam nos intervalos dos ruídos de uma britadeira, um casal
depositava flores no túmulo vizinho do condenado, enquanto tentavam, a seu
modo, se comunicar com a morta recente e querida.
O defunto dos mil olhos de jabuticaba
morria ( ha!) de inveja de situações desse tipo. Ninguém o visitava, coitado.
Não era digno de rosas. Teve vontade de gritar: “Também quero uma flor!”.
Mas fora condenado a ter olhos e
não bocas.
O casal se sentiu observado.
Ai que medo.
Ai meu deus.
Vez em quando um coveiro ia até a
frondosa árvore carregada de frutinhas brilhantes, arrancava um punhado delas e
chupava, com gosto.
O defunto morria (ops!) de ódio.
“Vá chupar o olho do cu da vó”
Queria gritar.
Mas fora condenado a ter olhos e
não bocas.
Um pô, Emma! em homenagem a
anedota que inventei:
Aqui jaz.
Aqui, jamais.
Aqui
apenas
jabuticarás.
Bruce Dickinson e Emily Dickinson
não eram casados, oh meu sonho. Eles nasceram em séculos diferentes oh, meu
cérebro. Além do que ela era tão branca voz da solidão e ele tão fear of the
dark.
Fear of the dark!
Fear of the dark!
Dá certo não.
Já vai
amanhecer?
Sei não.
O vento continua arremessando na
janela os destroços das coisas.
E eu aqui.
Louquinha, louquinha de pedra
lascada.
Um comentário:
Fiquei pensando em qual planta caberia a metáfora para a condenação a ter muitas bocas, e não olhos. Muito legal!
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