Me lembro perfeitamente daquele orgasmo confuso,
melancólico e desesperado, naquela tarde chuvosa, ao som de lamentáveis
violinos paternos e ruídos de unhas caninas na porta do quarto. E me lembro que
a fome, que havia desaparecido, me atacou violenta, depois que gozei, mas não
tive coragem ir a até a cozinha pegar o resto do meu almoço, porque eu teria de
encarar Hamlet e, talvez, meu pai, e eu estava com vergonha. Vergonha de ter
sentido tanto prazer pensando numa menina, e era como se meu pai fosse capaz de
descobrir o que eu passei a considerar, a partir de então, meu terrível
segredo. Então chorei muito, e dormi faminta.
Não sei por que, mas a lembrança
dela, mesmo tendo passado tanto tempo, ainda me enche de febres. Adoeço.
Quantas outras vezes, depois que ela voltou para o México, ainda não morri de
amores solitária, em meus lençóis amarrotados e impregnados de lembranças doces
e quentes?
E já fazia tempo que eu não
pensava nisso. E, de repente, uma ferida aberta, numa manhã desbotada, me
engravida de nostalgias...
Mas, tudo bem. Vamos colocar um
curativo com mertiolate também em meu coração. Talvez funcione.
Finalmente cheguei em casa, e vou
ter de passar a tarde toda sozinha. Ou melhor, com Hamlet. Mas ele anda meio
triste, talvez esteja doente. Nem pula mais em mim quando chego. Meu pobre cão
está envelhecendo...
Acho que vou almoçar e dormir.
Na cozinha, um universo de copos
sujos, pratos com sobras de comida, e uma barata atordoada, desmaia perto da
lixeira. Deve ter cheirado muita naftalina, coitada. Dou-lhe um golpe mortal
com o solado do meu all star. Golpe de misericórdia.
Maravilha, não tem comida. Quando
meu pai viaja, é sempre assim, tenho que me virar e como não sei nem fritar
ovo, tenho que passar o dia à base de miojo. Então coloco água pra ferver,
coloco o macarrão na panela, e o telefone toca.
Era meu pai. Me pergunta se está
tudo bem, eu digo que sim, reclamo mais uma vez de sua repentina viagem, ele
diz que é assim mesmo, que tenho que me acostumar, me pede pra comer
direitinho, diz que está com saudades e desliga.
Colocar o telefone no gancho me
deixou com um buraco no peito. Estou toda sensível hoje, e não gosto de ficar
assim. Geralmente solidão não me incomoda, mas hoje é como se eu tivesse sido
abandonada pelo mundo. Me sinto como se ninguém me amasse.
Almoço, me deito e fico pensando
na noite que virá. Mais tarde irei à Casa Noturna tocar sax. Eu e minha banda
de gente sem graça. Não sei por que continuo tocando com aquelas pessoas. No
fundo, no fundo, toco sozinha, porque acho que eles são todos muito chatos.
Pessoas individualistas e mesquinhas. E falsas. Pessoas de plástico. Odeio
plástico.
Um comentário:
Ela toca sozinha (dentro de uma banda) porque os outros são individualistas...
Quão mais humana essa personagem pode se tornar?
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