quinta-feira, fevereiro 06, 2014

O coelho da Clarice

Hoje quando abraçava minha mãe para encaixar o cinto de segurança dela no lugar apropriado para isso senti um clima estranho na rua onde havia estacionado o carro. Se não fosse a minha presença, a da mãe e a de um rapazinho com um uniforme antiquado, que me olhava como se algo surreal estivesse acontecendo, o lugar estaria deserto.

Então circulei o veículo para entrar pela porta do motorista. O garoto se aproximou falando que tinha um gato dentro do carro, no banco de trás.

- Como assim, um gato? Não deixei os vidros abertos, tenho certeza!

E fui ver, e lá estava um dos gatos mais bonitos que já vi, fazendo arte na espuma do meu banco traseiro, se espreguiçando, estapeando coisas invisíveis no ar.

- Gente, mas como ele entrou?

Então o menino de roupa engraçada me explicou que viu o gato entrando por baixo do carro, por ali, perto de onde fica o cano de descarga.

O gato era da avó dele.

Eu disse: Menino, você viu ele entrando mesmo , né? Porque eu juro que não estava tentando roubar o gato da sua avó.

_ Não moça, vi sim. Posso pegar ele de volta?
_ Pode.

Aí o menino pegou o gato e, não obstante todas as explicações físicas de como o bichinho tinha conseguido entrar, eu acabei ficando com uma deliciosa sensação de mistério, como aquela que a gente fica quando lê a história da Clarice Lispector sobre um coelho, gordo, muito gordo que conseguiu escapar de uma gaiola cujas grades eram muito estreitas e que estava ,definitivamente ,trancada.

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